Clima escolar
Notas de campo de três visitas a escolas

School Environment and social climate
Field notes on three visits to schools

Por Zaia Brandão


Resumo

O clima escolar é aqui descrito com base nas notas de campo de três visitas a escolas que fizeram parte do survey do SOCED. Das instalações físicas às formas como os diferentes agentes circulam no espaço escolar, procurei registrar o que me passava como clima escolar de cada uma das instituições. O objetivo foi descrever as observações em campo assumindo a subjetividade dos sentimentos e percepções do pesquisador. Três estilos, bastante distintos, foram destacados a partir das visitas. Acentuando o que ficou de marcante dos climas escolares - liberdade, distinção e disciplina - procuro descrever como percebi diferencialmente os três ambientes institucionais.

Palavras-Chave: Clima escolar - Sociologia da Educação - Elites Escolares


Abstract

We describe School environment based on field notes taken during three visits to the school made during the SOCED survey. Notes were taken on aspects ranging from the quality of the school premises, to the way the different stakeholders circulate in the school area. We were concerned with recording what was sensed to be the school environment/social climate of each institution. It was our aim to compile field observations taking into account the feelings and apperceptions of the researcher. Three distinct environmental styles were detected from our visits. We have tried to highlight what stood out in the school environments and social climates - freedom, distinction and discipline- and to substantiate the contrasts through descriptive elements of the three institutions.

Key words: School environment and social climate - Sociology of Education - School Elites


O SOCED vem desenvolvendo há cerca de cinco anos investigações sobre as elites escolares do Rio de Janeiro. O programa de pesquisa engloba nove escolas situadas no ápice dos rankings divulgados pela imprensa anualmente como as melhores instituições educativas do Rio de Janeiro: duas escolas confessionais, duas bilíngües, duas públicas, duas zona sul da cidade. e uma judaica. Oito delas estão situadas em bairros da Zona Sul - área residencial de camadas médias e altas - e apenas uma no centro da cidade.

Este texto resulta das anotações de campo desenvolvidas a partir das visitas que fizemos às escolas para apresentar a pesquisa e aplicar os questionários do survey2 . Cabe destacar, que as impressões aqui transcritas não têm pretensão de uma descrição etnográfica (densa), e resultam daquelas anotações ligeiramente modificadas para atender às necessidades de um texto para divulgação. Delas não retirei os traços dos sentimentos que experimentei durante as visitas, com o objetivo de deixar evidente o caráter subjetivo das descrições: como, por exemplo, os vieses das minhas preferências por estilos mais diretivos de orientação pedagógica.

A simples observação do ambiente físico e humano das instituições já nos ofereceu uma ocasião privilegiada para traçar um primeiro esboço sobre o clima institucional das escolas investigadas? A linguagem espacial e iconográfica da arquitetura dos prédios? da delimitação dos espaços, da decoração dos ambientes, assim como as lógicas que dominam e regulam a circulação no espaço escolar oferecem ao pesquisador, uma primeira ocasião de esboçar o clima escolar de cada instituição.

Adaptados ou construídos especificamente para fins educacionais? os prédios trazem as marcas dos valores que personalizam as diferentes instituições e que podem ser flagrados nos gestos, nos objetos, na disposição do mobiliário, nos espaços livres, na movimentação dos agentes sociais, nos fragmentos de conversas e nos incontáveis sinais que os sentidos, mais ou menos atentos, do pesquisador podem alcançar. As notas retomadas aqui devem portanto ser lidas como a entrada de campo de um dos pesquisadores, e que traduzem uma leitura parcial do conjunto de elementos materiais e simbólicos que compuseram esta leitura dos climas escolares das instituições pesquisadas.

Os primeiros contatos, de ambas as partes - pesquisadores e instituições - são normalmente marcados por um certo grau de ansiedade ou cuidado: os gestos e palavras são ensaiados e avaliados até o momento em que se começa sentir o estabelecimento das condições de se realizar o trabalho comum. Desde o primeiro contato telefônico, até a primeira visita à escola, todas as etapas necessárias até a autorização para a pesquisa são sinais preciosos, e muitas vezes perdidos, para delinear os perfis institucionais. O material impresso que nos chega às mãos, o tempo na sala de espera, os funcionários com os quais temos contatos diretos ou não, a apresentação das equipes (técnico-pedagógicas e administrativas) são, no seu conjunto, peças importantes para compor com outros conjuntos de elementos a compreensão e interpretação do projeto educacional das escolas.

Em que pese o caráter de uma primeira e ainda precária aproximação do campo, as impressões que registramos desses momentos servem com uma primeira tomada de cena do ambiente institucional?.

Liberdade

Tornou-se usual entre nós a caracterização de alternativa para as escolas que? desde o período autoritário? se apresentaram com propostas pedagógico-escolares que primavam por uma educação menos disciplinadora e que apostavam na possibilidade dos jovens construírem suas próprias regras tendo como espinha dorsal do seu trabalho pedagógico a liberdade delimitada pelo exercício constante da experiência democrática. Influenciadas pela psicanálise, assim como pelas teorias construtivistas no plano cognitivo, um de seus pilares educacionais estaria numa pauta mais horizontal para as relações adultos/crianças/jovens no processo escolar.

Desde o primeiro contato fui muito bem recebida pela coordenadora e a psicóloga do segmento 5a à 8a série; elas demonstraram me conhecer e satisfação por a escola estar entre as selecionadas pela nossa equipe como uma das "escolas de prestígio" do Rio de Janeiro. Depois de eu ter feito uma breve apresentação da pesquisa, falaram-me sobre a criação da escola, do espírito comunitário que marcou os primeiros tempos e da importância do trabalho em equipe. Assinalam rapidamente a existência de problemas disciplinares destacando o atual excesso de delegação, por parte de muitas famílias, na tarefa de educação dos filhos. Percebo neste momento como que um subtexto indicando que seria melhor que não fosse assim. Aliás, minha leitura desta primeira conversa era de que teria havido um momento anterior, na história do colégio, em que os pais eram mais presentes na parceria de educação dos filhos. Quanto às sedes (hoje em três prédios diferentes) elas foram se tornando necessárias para abrigar o crescimento da escola nos dois sentidos: ensino médio e educação infantil, no mesmo bairro da zona sul da cidade.

No dia marcado para a aplicação dos questionários chego cedo. Observo por fora um muro alto e uma entrada de pedestres interditada. Um grande portão de ferro, que anteriormente servia de entrada para a garagem da casa, dá o acesso ao colégio. A escola fica espremida entre prédios altos pelos lados, e casas de dois ou três pavimentos, ao fundo. A sensação é de pouca aeração e espaço, embora a escola esteja situada em uma rua relativamente calma de um quarteirão bastante movimentado em virtude de uma universidade nas cercanias e, pelo fato de estar em um bairro de passagem, entre a zona sul e o centro da cidade.

Logo ao entrar à esquerda está a secretaria e ao me apresentar percebo que estavam avisadas de minha visita. Sou recebida com simpatia pelas funcionárias que imediatamente avisam à coordenadora (de 5ª à 8ª série) e a psicóloga que vêm me receber com amabilidade numa estreita sala que parece cumprir dupla função: atendimento/orientação e sala de trabalho da equipe técnico-pedagógica (coordenadores, professores). Na parede do pátio-corredor em frente à secretaria desenhos dos alunos com comentários sobre a leitura de um determinado livro, que posteriormente identifico como uma das muitas leituras dos alunos. Nas salas de aula, mais tarde, reencontro nos quadros murais avaliações dos alunos sobre os leituras reafirmando a valorização destas práticas pela escola.

Umas poucas árvores sobrevivem junto a uma quadra de vôlei/futebol situada em frente do pátio de entrada e é a maior área livre da escola. Em uma das laterais da quadra está a cantina tendo à frente quatro pequenas mesas de plástico com cadeiras. Em frente à quadra e do outro lado, junto aos muros estão cinco pequenas salas: três servem às coordenações e duas delas, respectivamente de artes e música, encontram-se fechadas. Pelas janelas percebo que a sala de música tem alguns armários em aparente desarrumação e parecia desativada. A sala destinada às artes, com janelas basculantes não possibilitava visão interna. Minha sensação o tempo todo foi de um imóvel inadequado para uma escola de ensino fundamental.

Hustana (membro da equipe do SOCED) chega pouco depois de mim e, no horário combinado somos levadas à primeira turma para aplicação do questionário. As salas de aula são apertadas e escuras, as carteiras pequenas e muito juntas umas das outras, mal contendo as pernas e os desajeitados corpos dos adolescentes maiores.

A nossa acompanhante tenta obter silêncio para nos apresentar, e dá sinais de desconforto com a balbúrdia do grupo que custa a lhe dar atenção. Reclama pede que se mostrem educados com as visitas e dá-me a palavra, ausentando-se a seguir. O burburinho continua; duas meninas separadas por duas fileiras continuam discutindo um programa (parece de um baile ou festa), a partir de um folheto que uma delas lê e pede informações; peço que terminem para que eu comece a explicar a pesquisa. Fico um pouco irritada com a "zona", mas me controlo para não entrar com o meu estilo mais diretivo? porque percebo fazer parte do projeto pedagógico da escola o clima descontraído e provavelmente pouco afeito a controle externo. Lembro-me outra vez do comentário quase queixoso da psicóloga sobre o "excesso de delegação da educação dos filhos" à escola, por parte das famílias. Explico os objetivos da pesquisa e com ajuda da Hustana distribuímos os questionários. Um dos alunos sentado na primeira fileira lê alto as instruções e comenta cada questão fazendo graça e procurando chamar atenção minha e do grupo; minha paciência já estava se esgotando quando falei firmemente, mas sem agressividade: está bom já deu para perceber que você é muito inteligente e engraçado; agora v. pode se acalmar e responder em silêncio, o seu questionário, para não atrapalhar os outros (...) Espantosamente funcionou.

Respondemos a algumas dúvidas e ainda encontramos pequenos erros (3 ou 4) no questionário dos alunos. Levaram cerca e meia hora para responder. Vou agradecendo à medida que entregam-me o questionário respondido. Dois alunos que se sentam juntos, mais ao fundo da sala, são os últimos a entregar (a coordenadora havia falado que naquela turma havia um ou dois alunos com maiores dificuldades). Trata-se de uma escola inclusiva, e percebo também uma menina em cadeiras de rodas que parece bastante à vontade, mesmo tendo dificuldades de circular no espaço exíguo daquela sala de aula.

Enquanto aguardo o horário da segunda turma fico na cantina observando o movimento dos alunos. Dois meninos de uns dez anos permanecem na cantina quando a maioria já retornou às salas. Ambos vestem bermudas largas e coloridas e compram lanches na cantina. Alunos na quadra (faixa dos 14/16 anos) acompanhados de professor de educação física arrumam um time de vôlei misto (meninos e meninas). Um estudante permanece deitado em um dos bancos à frente da quadra. Observando um dos membros do time que se veste com bermudas e camisão largos, custo a decidir-me se é o ou a gordinha; decido pelo feminino após algum tempo, para descobrir, bem mais tarde, tratar-se mesmo de menino ao ouvir seu nome. Jogam descalços ou com tênis? com blusões amarrados em torno dos quadris, com bermudas, calças justas ou largas. Percebo, sob todos os aspectos (regras do jogo? roupas e comportamentos) falta de orientação e marcada horizontalidade nas relações alunos e adultos. Esta lógica, como assinalei, já se fizera sentir no momento da aplicação dos questionários. Hustana relatou posteriormente que, enquanto aguardava na sala da coordenação a entrada na turma, presenciou pelo menos duas situações que evidenciavam as dificuldades da equipe escolar na definição dos limites para os jovens.

De meu posto de observação perto da cantina, reflito sobre a dificuldade de distinguir alunos de funcionários. Do ponto de vista de uma proposta pedagógica bastante liberal parece consistente; entretanto sinto-me pouco à vontade pela falta de referências de como me comportar? o que já me causara um certo mal estar no momento da aplicação do questionário? quando o comportamento dos alunos me parecia excessivamente pouco atento para uma atividade que recebera a acolhida da escola. O constrangimento da psicóloga ao nos apresentar e as dificuldades em conseguir atenção evidenciava mais uma vez as dificuldades, em determinadas situações, de estabelecer os limites para os jovens.

Camila sai do jogo porque errou um saque. O professor tenta convencê-la de aprender como sacar dissuadi-la de se evadir, porém sem êxito. Entretanto, não me pareceu em nenhum dos seus gestos que o professor realmente estivesse convencido do que deveria fazer. Camila faz um "muxoxo" e vai para o banco onde está o outro adolescente sem razão visível por não estar no jogo. Os colegas encaram naturalmente o fato de ficarem em um dos times com cinco, ao invés dos seis jogadores usuais nas partidas de vôlei. Mas a ausência de regras no jogo que observo parece ser a norma. Meu sentimento é de um "deixa rolar" um pouco excessivo de falta de objetivo e da demissão do papel de professor. O professor apita o jogo mas o sinal parece só funcionar de vez em quando; o menino do banco resolve entrar, e o faz sob aplausos e assovios (torna-se o 7º do time que já estava completo). Sem dúvida nenhuma os jovens se divertem, e parece que o fazem, exatamente por se sentirem livres para desenvolver a brincadeira (e não praticar o esporte) com, como e quando querem: cada decide se joga para valer ou não; também os que parecem querer jogar para valer aparentam não se importar com a falta de envolvimento dos outros. Diferente, muito diferente mesmo, da aula de educação física que presenciei em um outro colégio (confessional católico). Esta atividade, da aula de educação física, parece não ter compromisso com o aprendizado do esporte. Porém, penso eu agora, qual o jovem que interessado não aprenderia a jogar vôlei? Talvez, todo o meu olhar crítico naquele momento não estivesse valorizando o prazer vivenciado por aquele grupo, brincando, relaxando sem tarefas a cumprir e fora das apertadas salas de aula, em companhia de um professor que, apesar de institucionalmente investido do poder pedagógico, se punha na posição de apenas mais um companheiro de diversão.
- O que você está fazendo?
- Estou escrevendo
- Escrevendo o quê ?
- Estou escrevendo as coisas que estou vendo.

A menina (uns 9 anos)afasta-se e parece satisfeita em sua curiosidade. Alguns tipos: "Juliette Greco" dos anos 2000: toda de negro olhos bem pintados baton e unhas quase negros piercings vários anéis muitas pulseiras de couro, prata e pedras saia pregueada com lateral de verniz duplo cinto e tênis bota. Poderia estar num desfile de moda jovem, "fazendo estilo". Logo em seguida o tipo relaxado: calça larga no meio da perna, blusão enorme tamancos despenteada...

Cabelos crespos, despenteados, lisos? longos e curtos quase não distinguem meninos e meninas pelos estilos. Muitas calças e saias de cós bem baixos entre as meninas. Saias longas aqui e ali blusões enormes com mangas cobrindo as mãos, bustiês bem justinhos blusões jeans... Sandálias havaianas meninos com colares indicam a moda jovem da adolescência carioca... uma moda sem modos e sem moda. Gordinhos e gordinhas, pares de meninos e meninas que circulam juntos, em alianças de estilos. Presenciei alguns poucos namorados beijando-se no pátio. Professores circulam, quase "invisíveis" em meio às crianças e jovens.

Trata-se de uma escola "pobre" do ponto de vista material, quando cotejada com as outras selecionadas para compor o conjunto de instituições que atendem aos setores mais bem posicionados na estrutura social brasileira. Ao mesmo tempo, a variedade de tipos, os deslocamentos, os gestos e os risos, sinalizam a riqueza simbólica expressa na alegria dos jovens que mesmo na exigüidade do espaço físico, experimentam a liberdade no espaço escolar. O prédio parece ter sofrido bem poucas modificações a maioria concentrada nos poucos e estreitos anexos assinalados anteriormente construídos ao fundo e em uma das laterais do terreno.

Distinção

Trata-se de uma escola bilíngüe de alto prestígio cuja mensalidade, elevada para os padrões brasileiros, implica numa seleção não só social com também econômica. Desde o primeiro contato telefônico percebo que nossa proposta será bem acolhida. No dia do primeiro encontro com a diretora brasileira fica evidente o orgulho como se apresenta e apresenta a escola. Conta-me sua própria história enquanto pedagoga e o trabalho que desenvolveu com D Edília uma das criadoras do Brasileiro de Almeida, escola onde estudou Tom Jobim e outra figuras ilustres da nossa cultura. Percebo claramente que deseja impressionar-me com suas qualificações e? muito especialmente oferecer-me referências que demonstrem e excelência no âmbito do nosso sistema escolar da instituição que dirige. Demonstra outrossim uma grande disponibilidade e interesse na pesquisa. Ainda no gabinete da direção, ouvi um grande burburinho que parecia vir de um carro de som. Ao sair, percebo que o som deriva do aparato armado para proteção da saída dos alunos do primeiro segmento do ensino fundamental que funciona da sede mais antiga da escola em bairro movimentado da zona sul da cidade e em uma rua transversal às vias principais de escoamento do bairro. Dois alto falantes, um no interior da escola e outro junto ao portão de saída são usados para chamar os alunos a medida que os responsáveis chegam. O primeiro chama do exterior e o segundo ecoa no interior da escola. Constato o que me pareceu um excessivo esquema de segurança. Antes de sair, visito a igreja que fica na parte da frente do terreno: uma belíssima construção com traços levemente góticos.

Cheguei com muita antecedência à sede onde ficam as 8ªs séries, em um outro bairro da zona sul da cidade: eram 7:20h. Um prédio novo, moderno e sem nenhuma indicação na fachada do tipo de instituição que abriga indica a privacidade que o colégio procura preservar à clientela que atende. Um muro bastante alto com um amplo portão de ferro, que dá acesso aos funcionários e alunos sob os cuidados de dois vigias. Uns poucos adultos (professores e funcionários) começam a entrar e, um pouco mais tarde, os alunos. Os carros, importados e de luxo, que os deixam à porta da escola são indicadores dos padrões de renda elevados das famílias que permitem arcar com os custos das mensalidades (as mais altas do município do Rio de Janeiro) e dos recursos extras para as excursões nacionais e internacionais que compõem as atividades complementares da escolaridade destes jovens. Espanta-me a quantidade de alunos que chegam de táxi; mais tarde sou informada que essa estratégia responde a razões de segurança (os carros das famílias não são assim identificado). Quando vejo a diretora chegar, dirijo-me a ela que está conversando com uma professora minha conhecida da UFRJ. Mãe de um aluno, demonstra satisfação ao me ver e indica que já sabia da pesquisa (havia recebido uma circular da escola recomendando a colaboração dos pais). Diana e Erica (da equipe do SOCED) chegam logo depois. Entramos acompanhadas pela diretora que me indica o lavabo. Cristina já havia chegado. O lavabo estava impecável, e não guardava aquele tom impessoal da maioria dos espaços institucionais.

O hall de entrada é amplo, bem iluminado (luz artificial) e na parede à direita estão afixados inúmeros desenhos de alunos da 6ªs séries de excelente padrão (mais tarde somos informadas que a escola dá uma grande ênfase ao ensino de artes). À esquerda, um balcão baixo com uma recepcionista simpática. Do lado direito cadeiras forradas de couro vermelho servem aos visitantes que aguardam atendimento da equipe do colégio. Em frente dois elevadores; as escadas de acesso aos outros andares e uma passagem para o pátio de entrada dos alunos ficam à direita dos elevadores. Nessa passagem estão afixados novos desenhos de alunos, das séries mais adiantadas, retratando modelos nús. Somos apresentados a dois professores que sobem conosco e com a diretora para o andar das 8ªs séries. No elevador está afixada uma lista com os nomes dos alunos autorizados a utilizar os elevadores. Dois deles sobem conosco.

A equipe de professores nos recebe com simpatia e enquanto esperamos a hora marcada para aplicar os questionários somos levados pela professora coordenadora de língua portuguesa a conhecer a biblioteca. Esta é espaçosa e bem iluminada. Duas funcionárias acolhem-nos com um sorriso. Os alunos têm acesso direto às estantes de livros. A professora que nos acompanha indica insatisfação com o acervo de língua portuguesa que, segundo ela, está sendo ampliado. Atualmente cerca de 80% dos alunos são brasileiros.

A diretora monitora o tempo todo a nossa visita define quem nos acompanha e procura dirigir nossa atenção ao que julga que possa nos impressionar positivamente. Durante toda a visita ressalta o caráter excepcional da qualidade do trabalho desenvolvido pela escola. Os professores, em sua maioria trabalham em regime de dedicação exclusiva. Os que nos recebem, aparentam entusiasmo e satisfação. Passam um sentimento de equipe bem entrosada.

As salas de aula bem iluminadas e com as carteiras organizadas em semi-círculo, com um grupo no centro, evidenciam uma forma de trabalho em que a aula expositiva é um dos recursos pedagógicos, entre outros. As turmas de 8ªs séries têm todas menos de 20 alunos. Uniformizados e calmos, passam uma sensação bem diferente do burburinho experimentado na escola alternativa. A professora de história, que me recebe na turma em que vou apresentar a pesquisa, fala do seu interesse em fazer um pós graduação. Todas as disciplinas são ministradas em língua estrangeira. Diferentemente do que eu supunha, em virtude da fluência na língua estrangeira, a professora afirma que sempre estudou o idioma da escola no Brasil. Nas paredes da sala trabalhos sobre a Segunda Guerra Mundial Maquetes feitas pelos alunos indicam habilidade, capricho e material didático de qualidade. O prédio novo (inaugurado em agosto de 2000), a limpeza dos ambientes e o aspecto dos alunos homogeneizados nos uniformes, passam uma sensação de jovens de outra cultura (apesar dos 80% de brasileiros); provavelmente o fato de pertencerem a famílias que se situam nos níveis mais elevados de renda no país, e que optaram por um processo de escolarização dos filhos com ênfase na internacionalização, resulta em um certo desenraizamento que se reflete na própria hexis corporal dos alunos. Há um enorme contraste se comparados aos jovens da primeira escola. Estes jovens - embora transitando por ambientes muito mais amplos e em um prédio especialmente construído para abrigar uma instituição escolar - parecem muito mais contidos nos movimentos e mesmo na forma como interagem comigo, durante a aplicação dos questionários.

Entretanto, no decorrer do preenchimento dos questionários, sou bem mais solicitada, para esclarecimentos, do que nas outras escolas. Pareciam ter mais dificuldades do que os outros, no entendimento das instruções. Após a aplicação do questionário, vamos visitar os laboratórios conduzidas pela diretora; os professores já estavam avisados e nos recebem com cortesia: desta vez somos conduzidos por um professor estrangeiro e um auxiliar brasileiro. O andar inteiro é de laboratórios: todos equipados com o mesmo tipo de bancadas para os alunos; tudo muito cuidado e limpo, passando a sensação de pouco usado. Nos corredores, um grupo de alunos, em fila, aguarda a entrada em uma das salas. Num dos laboratórios, o professor chama a nossa atenção para um equipamento que permite que os alunos manipulem material químico com proteção, o que evita que inspirem substâncias nocivas à saúde; percebo que deve se um e equipamento caro. Chamam-me a atenção os armários vazios nas paredes; o professor, flagrando minha atenção aos armários, indica necessidade de se equiparem melhor. A sensação é de que os laboratórios têm um sentido de "vitrine" para os visitantes. Entretanto, tal sensação pode ser tributária de um prédio em funcionamento há menos de 4 anos.

Descemos ao térreo onde um pequeno lanche nos aguarda, em um setor que parece reservado a funcionários. Uma psicóloga, responsável pela orientação vocacional, nos aguarda com a diretora. Uma conversa informal permite perceber a qualidade do trabalho desenvolvido pela profissional que se formou pela Santa úrsula ao final dos anos 80. Todos notam o fato dela ser mulata,provavelmente porque não se viu nenhum outro afro-descendente na escola. Presença forte, ela evidencia segurança e entusiasmo pelo que faz e um enorme domínio diante a nossa equipe, que a crivou de perguntas sobre os mais variados temas. A diretora participa da conversa informal e à indagação sobre quais outras escolas ela classificaria como as melhores do Rio indica o São Bento e o Santo Agostinho. Assim? vemos reforçada a "fama" dos "Santos" de representarem as melhores escolas do Rio de Janeiro, e reiteradas as bases da minha sensação, de um colégio que contrasta pela disciplina com a anteriormente descrita.

Fomos apresentadas a uma professora estrangeira que acabara de chegar do Pantanal com um grupo de alunos e que chegara recentemente ao Brasil. Somos informados pela diretora que, para a excursão foram levados vários microscópios (com seguro, porque são muito caros) e todos os equipamentos necessários para a observação e análise do material coletado pelos alunos. Com o grupo segue também um membro da equipe médica que atende a escola. Essas afirmações adicionais feitas pela diretora evidenciam o caráter de excelência que ela assinala, a cada ocasião, como distintivo da escola.

Da conversa saímos informadas da ênfase que a escola confere cada vez mais às artes, dos eventos culturais trazidos ao colégio e da banda composta por alunos. Em termos de encaminhamento profissional dizem-nos que diminuem a cada ano os alunos que encaminham-se para medicina ou engenharia, e que aumentam aqueles que escolhem economia e administração. Crescem também os que vão para artes e design e não há quem demonstre interesse em ser professor: recentemente apenas um aluno se interessou por se encaminhar para a Filosofia. As universidades públicas não constam das opções atuais dos alunos e a diretora afirma que a PUC é o 2º campus da escola. Cândido Mendes, FGV e IBMEC. Também são citadas. Há, segundo a diretora, um bom percentual de alunos que vai para o estrangeiro fazer o curso superior e entre eles, muitos que não são estrangeiros, o que mais uma vez indica a tendência a internacionalização na formação das elites, mesmo entre as brasileiras.

Disciplina

Três visitas foram necessárias antes da aplicação do questionário. A mudança de reitor, após a primeira visita, foi a razão de termos que refazer o contato. Na primeira visita fomos recebidos pela orientadora educacional que demonstrou simultaneamente, interesse na pesquisa e uma grande dependência da cúpula para encaminhar o nosso trabalho. O reitor veio ao nosso encontro e procurou indicar que sua gestão pautava-se por um processo de abertura e de modernização da proposta pedagógica anterior. Chamou-me atenção, no entanto, o contraste entre o discurso e uma atitude bastante autoritária e centralizadora que transparecia nos gestos e na forma como conduzia o diálogo conosco.

A escola é monumental, um complexo de prédios históricos e tombados articulados a um prédio moderno, espaçoso e construído com material e equipamentos da melhor qualidade. Uma harmoniosa combinação de requinte e austeridade. Tudo transpira dose certa de riqueza sem ostentação: a econômica presença de peças de arte, as plantas viçosas no interior do prédio, os funcionários impecáveis em seus uniformes - da limpeza aos ascensoristas - são claramente bem supervisionados e integrados na tarefa educativa. Ao subirmos pelo elevador, em um dos andares entrou um grupo de alunos pelos seus 10 anos, agitados e empurrando-se embora sem nenhuma agressividade; o ascensorista, entretanto, chamou a atenção do grupo para a nossa presença, e pediu que se acalmassem, no que foi imediatamente atendido. Esta simples situação deu-nos um sentimento de uma certa unidade de ação educativa que marca a instituição.

Um segundo encontro foi agendado quando telefonei para saber se a pesquisa havia sido autorizada. Fui recebida amavelmente pelo novo reitor a quem apresentei os questionários e falei longamente sobre a primeira etapa da pesquisa em dois colégios. Ele mostrou-se bastante interessado pelas questões levantadas e pareceu-me ter dado o seu assentimento. Combinei que tão logo os questionários revisados estivessem prontos voltaria a me comunicar com o colégio para verificar qual seria a data e horário mais conveniente para aplicar os questionários junto aos alunos. Algumas semanas depois, ao falar com a coordenação da orientação educacional (setor que havia mediado os contatos anteriores) um novo encontro, desta vez com o vice-reitor foi definido. Voltei ao colégio com uma certa ansiedade, e com um sentimento de que provavelmente encontraria dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa, ainda naquele semestre letivo, como havíamos planejado. Entretanto o encontro foi extremamente simpático, com o vice-reitor bem mais jovem e, após uma detalhada exposição sobre nossos objetivos e hipóteses de trabalho, ele ficou de definir com o coordenador do segmento da 5ª a 8ª série, o dia e horários mais convenientes para realizarmos a primeira etapa da pesquisa. Ao término da reunião convidou-me para vir? no dia seguinte pela manhã (um sábado) para uma reunião de pais das 8ªs séries.

Acompanhada de Diana, chegamos cedo para a reunião de pais que se realizou no auditório do colégio, porque era o dia das olimpíadas de matemática e a sala onde normalmente se realizam as reuniões com os pais estava ocupada com o evento. O auditório com 1000 lugares, como a maioria dos ambientes da escola, era sóbrio, confortável e cuidado. Ao entrarmos uma dezena de pais já se encontrava no local. Às nove em ponto aa equipe já estava em uma mesa colocada logo à frente das poltronas e o reitor fez um rápida saudação usando textos da bíblia. Em seguida tomaram a palavra a orientadora educacional, a orientadora pedagógica e o coordenador do segmento. Foi assinalada a presença de alguns professores e justificada a impossibilidade da presença de outros, em virtude de estarem em aula ou atendendo a outros compromissos. Neste momento, o reitor assinalou a condição de vida e trabalho dos professores que nem sempre podem se dar ao luxo de trabalhar em uma única escola.

De uma maneira geral impressionou-nos a segurança da equipe na condução da reunião. Passam uma clara sensação de um trabalho perfeitamente coordenado entre eles. A coordenação pedagógica expôs o trabalho de todas as disciplinas evidenciando, assim como a orientadora educacional e o coordenador de segmento, um profundo conhecimento de tudo o que se passa com os alunos daquela série.

É uma escola que, claramente, procura educar os pais para que colaborem com a escola. O colégio define a direção de seu projeto educativo, e parece não fazer nenhuma concessão no sentido de se ajustar a demandas externas. A matricula dos filhos supõe uma forte adesão à proposta institucional.

Entre os temas tratados pela equipe estavam:

  • hábitos, regras e limites na educação dos jovens;
  • preocupação com o tempo excessivo na internet; uma atitude enérgica dos pais é solicitada no sentido de estabelecer limites;
  • o cuidado em observar e incentivar o trabalho escolar dos jovens;
  • toda e qualquer preocupação partilhada com a escola;
  • a parceria dos pais - o horário de estudo (mães são destacadas);
  • a experiência dos representantes de turma e o exercício de cidadania;
  • o trabalho dos conselhos de classe (avaliação quantitativa e qualitativa);
  • o uniforme → a homogeneização vista como recurso para valorizar que devem se diferenciar pelo que são, e não pelo que vestem;
  • os conteúdos e objetivos de cada uma das disciplinas;
  • preocupação com a formando leitores → os alunos são melhores leitores do que normalmente se espera nesta faixa etária;
  • o início dos estudos de cultura clássica;
  • a importância do dever de casa → a atenção dos pais para o trânsito do semi-internato para o externato nesta série;
  • o monitoramento permanente do desempenho através dos testes e provas; O colégio → um volume de conteúdo muito vasto → ofício dos pais dos alunos.
  • parceria na disciplina → os pais não podem deixar tudo por conta do colégio;
  • pedem mais uma vez que os pais prestem atenção ao horário de entrada → o colégio decidiu acabar com a tolerância de 10 minutos ao início do primeiro tempo;

Esta agenda foi rigorosamente cumprida no tempo previsto para a reunião. Saí de lá com a sensação de que nesta escola se respirava disciplina, mas que esta centralidade na afetava a alegria e burburinho dos jovens nos movimentos de circulação na escola que pude observar. Nas salas de aula, no momento de aplicação dos questionários, a maneira como o coordenador nos aproximou dos jovens e pediu atenção para as nossas explicações, reforçou o sentimento que ali se experimentava um clima de disciplina "sem dor".




1 No Rio de Janeiro, a Zona Sul é a área residencial que possui os imóveis mais caros (por m2), convivendo com o fenômeno das favelas o que permite a coexistência geográfica com as camadas mais baixas da população.

2 O survey, de caráter marcadamente contextual, foi composto de três questionários (alunos, pais e professores) e tinha como objetivo principal avaliar as características e condiçôes escolares e familiares que produzem a imagem de qualidade destas escolas.